janeiro 29, 2013

[Segurança] Quem tem medo dos contratos?

Recentemente muito tem se discutido sobre privacidade e a responsabilidade das empresas desenvolvedoras de software e prestadoras de serviço de TI. No dia 28/1, o pessoal nos EUA e Europa tiveram o Dia da Privacidade dos Dados. Também tivemos algumas polêmicas envolvendo alguns serviços bem populares na Internet: o Instagram e o Facebook.
  • O Instagram tentou mudar os termos de serviço do site, dando a entender que eles poderiam utilizar as fotos compartilhadas pelos usuários para venda a empresas interessadas em usá-las, lucrando sem oferecer qualquer remuneração aos reais autores.
  • Recentemente também surgiu a história de que o Facebook alterou a sua política de privacidade e removeu a opção de ocultar perfis da busca na rede social antes do anúncio da sua nova ferramenta de buscas, o Graph Search. E muita gente começou a questionar sobre o quanto isto facilitaria o acesso as nossas informações e prejudicaria nossa privacidade.

Mas a responsabilidade sobre os nossos dados e sobre a qualidade dos softwares e serviços que usamos no nosso dia-a-dia está bem definida em alguns contratos de serviço, termos de uso e termos de privacidade. Algo que damos pouca importância na prática e raramente lemos...

Este vídeo, disponibilizado pelo pessoal do filme O Hobbit, mostra muito bem o que aconteceria se nós lêssemos os contratos que recebemos no nosso dia-a-dia:



Na prática, os contratos de TI são como as bulas de remédio: todo mundo toma o remédio sem ler a bula. E, no universo de TI, a todo o momento somos convidados a aceitar um contrato, normalmente redigidos em forma de uma licença de software, um termo de uso ou uma política de privacidade. E o aceitamos goela abaixo, sem ler nem questionar: toda vez que instalamos um software, ou toda vez que nos cadastramos em um novo serviço online, nós damos de cara com uma janela nos pedindo para dar o aceite em algum tipo de contrato - e acredito que todos nós (exceto alguns advogados), aceita (clica no botão OK) o contrato sem ler.

Mas quem tem paciência de ler tudo isso?
E qual é o problema?

A verdade é que "não existe almoço grátis", como dizem os americanos. Ou seja, ninguém faz nada de graça, e muito menos vai lhe oferecer um serviço sem querer algo em troca. E nãõ~vai te dar um serviço de qualidade, com garantias, sem te cobrar por isso (e, às vezes, nem cobrando!). E estes contratos servem justamente para tirar a responsabilidade dos provedores de serviço e para fazer com que nós concedamos algumas liberdades que, conscientemente, talvez não faríamos.

No final das contas, estes termos e políticas servem para o seguinte:
  • Diminuir ou retirar a responsabilidade da empresa em casos de problemas
    • O Statement of Rights and Responsibilities do Facebook é um ótimo exemplo: ele define dezenas de responsabilidades para os usuários, anunciantes e desenvolvedores. Assim qualquer coisa que der errado, o Facebook pode dizer que a culpa é dos usuários, e não deles.
    • O Twitter faz o mesmo, usando o seu Termos do Serviço para se eximir de qualquer responsabilidade sobre o conteúdo publicado: "All Content, whether publicly posted or privately transmitted, is the sole responsibility of the person who originated such Content. We may not monitor or control the Content posted via the Services and, we cannot take responsibility for such Content."
    • Veja também o que diz os Termos e Condicões da iTunes e App Store da Apple com relação a (falta de) responsabilidade dela na proteção dos seus dados (grifo meu): "A APPLE ENVIDARÁ ESFORÇOS RAZOÁVEIS PARA PROTEGER A INFORMAÇÃO ENVIADA POR VOCÊ EM RELAÇÃO AO SERVIÇO ITUNES, MAS VOCÊ CONCORDA QUE SEU ENVIO DE TAL INFORMAÇÃO É POR SEU PRÓPRIO RISCO, E A APPLE NESTE ATO RENUNCIA A TODA E QUALQUER RESPONSABILIDADE PERANTE VOCÊ POR QUALQUER PERDA OU RESPONSABILIDADE RELACIONADA DE QUALQUER FORMA A TAL INFORMAÇÃO.
      A APPLE NÃO DECLARA OU GARANTE QUE O SERVIÇO ITUNES SERÁ LIVRES DE PERDAS, DEFEITOS, ATAQUES, VÍRUS, INTERFERÊNCIAS, ATIVIDADES DE HACKERS OU OUTRA INTRUSÃO DE SEGURANÇA, E A APPLE RENUNCIA A QUALQUER RESPONSABILIDADE COM RELAÇÃO A ISSO."
    • E a Apple vai além, nos termos da App Store: "A Apple não será responsável por quaisquer perdas decorrentes do uso não-autorizado da sua Conta". E também se exime de responsabilidade caso ela disponibilize algum conteúdo ofensivo, indecente ou questionável: "Você entende que, ao utilizar os Serviços App e Book, você poderá encontrar material que você julgue ser ofensivo, indecente ou questionável e que tal conteúdo pode ou não ser identificado como contendo um material explícito. Dessa forma, você concorda em utilizar os Serviços App e Book por sua conta e risco e a Apple não terá qualquer responsabilidade perante você por material que possa ser considerado ofensivo, indecente ou questionável. Os tipos de Produto App e Book e as descrições são fornecidos por conveniência, e você concorda que a Apple não garante sua precisão."
    • Os termos do Contrato de Licença de Usuário Final para Aplicativo Licenciado da App Store também incluem uma verdadeira pérola no quesito isenção de responsabilidade: "RENÚNCIA A GARANTIA: VOCÊ EXPRESSAMENTE RECONHECE E CONCORDA QUE O USO DO APLICATIVO LICENCIADO É A SEU RISCO EXCLUSIVO E QUE O RISCO TOTAL QUANTO À QUALIDADE, DESEMPENHO, PRECISÃO E ESFORÇO SATISFATÓRIOS FICA COM VOCÊ." Ou seja, ninguém se responsabiliza pelos bugs nos softwares, e o usuário simplesmente deve aceitar este risco. E, se houver prejuízo, azar o seu: "f. LIMITAÇÃO DE RESPONSABILIDADE. NA MEDIDA EM QUE NÃO PROIBIDO POR LEI, EM NENHUMA HIPÓTESE O LICENCIANTE SERÁ RESPONSABILIZADO POR FERIMENTOS PESSOAIS OU QUAISQUER DANOS INCIDENTAIS, ESPECIAIS, INDIRETOS OU CONSEQUENCIAIS, INCLUINDO, SEM LIMITAÇÃO, DANOS POR PERDA DE DADOS, INTERRUPÇÃO DE NEGÓCIOS, OU QUAISQUER OUTROS DANOS OU PERDAS COMERCIAIS INDIRETOS, DECORRENTES DE OU RELACIONADOS AO SEU USO OU INCAPACIDADE DE USAR O APLICATIVO LICENCIADO (...)."
  • Garantir a empresa o acesso a seus dados e o direito dela, da empresa, de usá-los para benefício próprio. Neste caso, não podemos esquecer que está acontecendo uma pequena troca: a empresa te dá algo (em alguns casos, ela oferece um serviço gratuito, e quer algo em troca).
    • O Twitter não é nem um pouco bobinho, e no seu Termos do Serviço ele diz que ganha total direito (e nenhuma responsabilidade, como já disse acima) sobre o conteúdo que os usuários publicarem: "By submitting, posting or displaying Content on or through the Services, you grant us a worldwide, non-exclusive, royalty-free license (with the right to sublicense) to use, copy, reproduce, process, adapt, modify, publish, transmit, display and distribute such Content in any and all media or distribution methods (now known or later developed)."
    • Veja, por exemplo, o que a Apple diz nos Termos e Condições da App Store: "Você concorda em fornecer informações precisas e completas, em conjunto com seu envio de qualquer material para os Serviços App e Book. Você neste ato concede à Apple uma licença global, livre de royalties, não-exclusiva para usar tais materiais como parte dos Serviços App e Book e em relação aos Produtos App e Book, sem qualquer remuneração ou obrigação com relação a você. A Apple reserva-se o direito de publicar ou não publicar quaisquer materiais e remover ou editar quaisquer materiais, a qualquer tempo, a seu exclusivo critério, sem aviso ou responsabilidade."
    • No Contrato de Licença de Usuário Final para Aplicativo Licenciado da App Store, há uma cláusula que dá o direito dos fornecedores de aplicativos da App Store da Apple coletarem e usarem os seus dados: "Consentimento para Uso de Dados: Você concorda que o Licenciante pode coletar e usar dados técnicos e informações relacionadas — incluindo, sem limitação, informações técnicas sobre seu dispositivo, software de sistema e aplicativos e periféricos — que são obtidas periodicamente para facilitar o fornecimento de atualizações de software, suporte de produto e outros serviços para você (se houver) relacionados com o Aplicativo Licenciado. O Licenciante pode usar esta informação, desde que tal informação esteja em uma forma que não o identifique pessoalmente, para melhorar seus produtos ou para prestar serviços ou fornecer tecnologias a você."


A moral da história é que, conforme ficou claro com o recente caso da reavaliação dos termos de uso do Instagram, é importante que os usuários leiam e questionem estes contratos, e estejam conscientes do risco a que nos expomos se não tomarmos o devido cuidado com o que estamos aceitando. Uma parte da responsabilidade cabe as empresas, mas também cabe a nós, usuários, tomarmos cuidado com a privacidade dos nossos dados, preferencialmente evitando oferecer informações em demasia e evitando serviços que não se comprometam em oferecer serviços de qualidade e tomar os devidos cuidados com a nossa privacidade. Infelizmente, nem sempre é possível discutir e negociar os termos de uso, e muitas vezes não temos opção além de aceitar o serviço e suas condições goela abaixo. Mas devemos sempre estar conscientes do risco.

Em tempo: recomendo também a leitura do artigo "Termos de Uso, EULAs, Windows 8 e clareza de disposições", que discute um pouco os termos de uso e contratos de software sob um ponto de vista mais jurídico.

Nenhum comentário:

Creative Commons License
Disclaimer: The views expressed on this blog are my own and do not necessarily reflect the views of my employee.