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julho 25, 2014

[Cyber Cultura] Quando o espírito de Comunidade falha

Recentemente foi anunciado que o hackerspace de São José dos Campos, o SJCHC (também conhecido carinhosamente como "Sabugosa") vai fechar as portas.

Eles ocupam (ou seria melhor escrever "ocupavam"?) uma casa excelente e bem localizada, próximo ao shopping de SJC e próximo da rodovia Dutra. Mas o problema era financeiro: os custos com a manutenção do espaço eram maiores do que o quanto eles arrecadavam com os associados. Segundo um de seus diretores, a soma das mensalidades em dia todo mês não cobria 1/3 dos gastos fixos (aluguel, água, luz). Em Abril deste ano eles já haviam feito uma campanha para arrecadar doações, mas que infelizmente só serviu para adiar o inevitável :(

Isso me fez lembrar de um ano atrás, quando soube que um hackerspace em Portugal também fechou as portas por falta de dinheiro :(

Isso mostra alguns problemas que são muito comuns em todos os hackerspaces:
  • Ter uma arrecadação superior as despesas do dia-a-dia
  • Atrair novos associados para aumentar a arrecadação
  • Manter um baixo nível de inadiplência (sim, muita gente não paga em dia, o que prejudica muito quando as contas já estão apertadas)
  • Identificar o problema de fluxo de caixa e conseguir resolvê-lo antes que seja tarde demais.
As mensalidades são a principal fonte de receita dos hackerspaces, mesmo porque deveriam garantir uma entrada de dinheiro constante. Além disso, arrecadações esporádicas com doações, festas e venda de comes e bebes dentro do espaço ajudam a engordar um pouco mais o caixa.

Quando eu vejo um hackerspace fechar, a primeira coisa que posso pensar é que falhamos como comunidade.

Afinal de contas, apesar de serem espaços comunitários e abertos, poucas pessoas participam e frequentam os hackerspaces, e mesmo entre elas, poucas realmente colaboram com a manutenção do espaço.

Aparentemente todos sofremos, em algum grau, da Tragédia dos Comuns: o acesso livre e exagerado a um bem comum (formado por recursos finitos) termina por condenar o recurso por conta de sua superexploração. Acostumados a receber tudo de graça, de bandeja, as pessoas não percebem que também depende delas colaborar para ajudar a manter o que conquistamos.

Provavelmente todos os hackerspaces tem pequenas histórias para contar de falta de colaboração no dia-a-dia. Transcrevo abaixo um relato do SJCHC:
"Nós temos um bardentro do clube. Por incrível que pareça, ele ajudava a pagar alguns custos, no início. Porém, inúmeras vezes eu chegava no clube e encontrava garrafas de refrigerante e cerveja levadas pelos frequentadores. Nós vendemos a cerveja gelada a 3 Reais!! Apenas UM Real de lucro bruto! Mais barato que em qqr bar da região (E olha que só tem pé sujo na região). Poxa... Colocamos um espaço seguro pras pessoas se encontrarem, com eletricidade, internet, ferramentas, banheiro. Tudo de graça! Custava deixar UM REAL a mais pela cerveja?"

Isso também acontece no Garoa: temos uma caixinha para as pessoas deixarem dinheiro para ajudar no que consomem, mas frequentemente percebemos que algumas pessoas não contribuem. Eu vivo esse drama a cada edição da BSidesSP: os ingressos gratuitos esgotam-se rapidamente, mas quando colocamos ingressos ao custo de R$ 15, esses saem a conta-gotas. OK, se a pessoa acha que o conteúdo do evento (um dia de palestras e oficinas) não vale R$ 15, pelo menos o evento deveria valer isso por oferecer comida e bebida de graça, a vontade !!! Mas, mesmo assim, as pessoas preferem não colaborar.

Mas o problema não é só financeiro. Poucas pessoas frequentam os hackerspaces:
  • Como é possível um hackerspace em São José dos Campos, um dos principais pólos tecnológicos do país, não ter pessoas o suficiente para manter um hackerspace !?
  • Como é possível um hackerspace em Campinas, uma das maiores cidades de São Paulo, cercada por faculdades e empresas de tecnologia, viver as moscas?
  • Como é possível o hackerspace de São Paulo, a maior cidade do Brasil, ficar vazio 6 dias por semana? (isto é, o Garoa só fica cheio de gente as 5as-feiras, nos demais dias da semana geralmente recebemos em torno de 5 pessoas, ou até menos)
Será que falhamos como comunidade? Será que existe mesmo um espírito de comunidade? Estamos prontos para cooperar e participar de atividades comunitárias?

Frequentemente temos a impressão que uma parcela significativa das pessoas que vão nos hackerspaces estão esperando achar um lugar aonde receberão um "curso" de graça, ou seja, terão um expert dando uma aula com Power Point e tudo mastigadinho. Mas os hackerspaces são laboratórios coletivos e comunitários: a grosso modo são uma bancada aonde as pessoas sentam juntas para fazer qualquer coisa, ou não fazer nada, sem uma ordem ou obrigação definida. Uns ajudam os outros em pé de igualdade. Muito diferente do ensino tradicional ao qual estamos acostumados desde criancinha: um expert na frente de todos, transmitindo o conhecimento de forma unidirecional.

Será que estamos prontos para isso? Será que estamos prontos para compartilhar o conhecimento?


Nota 1 (28/07/14): Ao contrário do que comenta o Coruja de TI, eu não disse que o dois hackerspaces brasileiros estão fechando nem foi minha intenção passar qualquer idéia errônea de que a "onda" dos hackerspaces está acabando: apenas um hackerspace fechou (o Sabugosa), dos 16 hackerspaces brasileiros que conhecemos. Minha intenção não é divulgar o fechamento de um hackerspace, mas sim questionar se existe um espírito de comunidade entre nós e se nós, dentro da nossa cultura, estamos preparados para conviver em um espaço baseado na coletividade, no espírito de empreendorismo, na cultura do faça você mesmo  e do compartilhamento de conhecimento. Como disse em meu texto acima, os hackerspaces tem uma abordagem totalmente diferente da escola tradicional, que todos nós frequentamos desde o prézinho. Além do mais, basta ler o "hackerspace design patterns" para ver que o problema de atrair participantes é recorrente e acontece em todo o mundo. Vi meu post ser comentado em algumas redes sociais e listas de discussão, e fico aliviado em ver que apenas uma pessoa entendeu tudo errado.

Nota 2 (28/07/14): O Sabugosa está entregando o imóvel aonde eles ficam, mas continuará existindo. Segue a transcrição de uma nota que eles colocaram no Facebook:
"Lendo algumas notícias[1][2] que saíram na internet, comentando que o SJC Hacker Clube havia encerrado suas atividades ou "fechado as portas", resolvemos escrever este texto para esclarecer alguns pontos e explicar o que realmente significa "fechar as portas" no nosso caso. Assim como qualquer hackerspace, existem dificuldades financeiras que atrapalham e até inviabilizam a posse de uma sede própria. No nosso caso, mesmo com a ajuda extra que recebemos depois do apelo que fizemos há alguns meses atrás, não conseguimos manter uma receita suficiente para manter o espaço e tivemos que abrir mão da nossa sede.
No entanto, para evitar qualquer mal-entendido, gostaríamos de deixar uma coisa bem clara e dedicaremos um parágrafo somente para isso:
"O SJC Hacker Clube, embora TEMPORARIAMENTE sem sede própria, CONTINUA com as suas atividades semanais no Parque Santos Dumont, e também CONTINUARÁ a realizar eventos periódicos, como o SJC LIGHTNING TALKS e o HORA EXTRA. A idéia de ter um espaço colaborativo onde é possível compartilhar experiências e conhecimento ainda está viva nos membros do clube. A procura por uma nova sede permanecerá."
Ainda estamos definindo os pormenores dessa nova fase do clube e daremos mais notícias assim que tivermos respostas oficiais. Agora, mais do que nunca, pedimos ajuda a todos vocês para podermos arrumar uma nova sede o quanto antes, e podermos termos o nosso local novamente.
Caso tenham qualquer dúvida, estamos à disposição para esclarecimentos.
Atenciosamente,
SJC Hacker Clube"

2 comentários:

  1. No geral, não acho que estamos preparado para isso.

    Acho que precisamos fomentar isso, mas sabendo da nossa real condição, ou seja, esse modelo da caixa aberta para doação com base no que pega pra consumo, não funciona muito bem para pessoas que não se entendem como parte do clube.

    Nesse momento, precisamos de uma interação com pessoas "fomentadoras", que infelizmente precisam estimular determinados comportamentos. Eu acho, puro achismo mesmo.

    Acho que a questão aqui é esperar pouco, pois o que vier é lucro :)

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  2. Repetindo meu texto no post da Ceci, no grupo de discussão do Garoa:

    Ótimo texto.
    "Pega fundo" (ou deveria pegar) em cada um de nós.
    São Paulo NÃO é uma cidade que convida a sair de casa e espírito de comunidade É algo que dá mesmo trabalho manter. Mas, sem isso, somos apenas ermitões familiares e/ou escravos do trabalho.
    Entender/assumir o fato que manter uma comunidade NÃO é algo somente para sua entidade individual é (ou deveria ser) o primeiro passo a ser tomado ao resolver participar da vida de um hackerspace (assim como qualquer entidade coletiva).

    Ouvi, do Mike, que o Garoa estava pensando em criar uma categoria nova de frequentador oficial pois o caixa já estava bem suprido, o que faltava era PRESENÇA FÍSICA e criadores e mantenedores de atividades.

    PORRA, MOÇADA! O Garoa NEM precisa de $! Fazem idéia o que é isso?!
    Quer dizer: NÃO ponha a mão no seu bolso. SÓ apareça com frequência. E traga gente. (E, se consumir algo, dê algo proporcional em troca, DIACHO!)

    Mudrik
    Um defensor das comunidades e do real esforço que isso requer

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