novembro 09, 2011

[Cyber Cultura] Occupy Together



Como eu disse no meu post anterior, em Setembro deste ano o grupo Anonymous lançou a operação "Occupy Wall Street" que, em Outubro, se espalhou para várias cidades dos EUA e em outros países, incluindo no Brasil.

Estas ocupações ao redor do mundo visam criar uma forma de mobilizar a população principalmente sobre os problemas relacionados a crise econômomica global, que lá nos EUA e Europa ainda está bem grave, com altos índices de desemprego afetando a população e sem solução a vista. Como já disse o comentarista Arnaldo Jabor, estas manifestações são contra o modelo de capitalismo atual.



As manifestações são pacíficas e, normalmente, o pessoal envolvido nos acampamentos desenvolve uma série de atividades, como debates e palestras, para fomentar o debate. Os acampamentos também tendem a ser bem organizados, com grupos tomando conta da infra-estrutura, da segurança, e com acesso a Internet, para permitir entre outras coisas a divulgação online do que acontece no acampamento, e até mesmo divulgar uma lista de doações, para que outras pessoas possam colaborar com a manifestação.

No dia 11 de novembro (11.11.11) os grupos estão planejando uma nova série de manifestações para incentivar as ocupações no mundo todo, chamada "11.11.11 Occupy The Streets. Occupy The World".



Estas manifestações também tem um componente cibernético interessante: elas usam massivamente a Internet e as redes sociais para se promoverem e buscarem o apoio da população. Além do mais, como já aconteceu nos EUA, o grupo Anonymous já realizou alguns cyber ataques para se vingar de ações policiais violentas que tentaram reprimir as manifestações.

Eu já tive a oportunidade de vistar o Acampa Sampa, lá embaixo do Viaduto do Chá, no Vale do Anhangabaú, bem ao lado do prédio da prefeitura (fico devendo as fotos). Enquanto no resto do mundo o motivo das ocupações giram principalmente em torno da discussão da crise econômica e de como os governos tem lidado com isso (privilegiando os bancos e empresas, e prejudicando a população), aqui no Brasil iniciou-se reclamando da corrupção e, em seguida, criou-se um manifesto com uma grande lista de "bandeiras" para justificar a mobilização. De tão amplo, este manifesto acaba sendo uma verdadeira colcha de retalhos, misturando exigências válidas com alguns pontos realmentre questionáveis. Para exemplificar, eu separei abaixo as "bandeiras" escolhidas pelos manifestantes em 3 grupos: as que eu considero válidas, as questionáveis e as lamentáveis. Meus comentários estarão entre parêntesis, em itálico.

  • Válidas:
    • Contra o estado penal e a criminalização dos movimentos sociais e da classe trabalhadora. Contra a utilização de armas nas manifestações populares.
    • Por um SUS público e de qualidade. Contra as OSs e as Fundações Estatais de Direito Privado.
    • Tarifa zero já. Contra o aumento das passagens de ônibus e metrô. Contra privatização dos transportes e à (sic) cultura do automóvel.
    • 10% do PIB para a educação pública, gratuita e de qualidade já.
    • Revogação das concessões fraudulentas de rádio e TV no Brasil.
    • Revogar a lei 9612/98: pelo fim da criminalização de rádios e comunicadores comunitários (hum, me parece válido, mas eu não fui atrás de pesquisar a referida lei e suas consequências)
    • Por uma legislação de direitos autorais que valorize o artista, desprivatize a cultura e favoreça o compartilhamento.
    • Chega de racismo, preconceito e extermínio da juventude negra. (ok, mas "extermínio da juventude negra" não é forçar um pouco a barra?)
    • Pelo fim da violência machista: contra os cortes de verbas do Pacto de Enfrentamento à Violência Contra Mulher feitos pelos governos federal e estaduais.
    • Em defesa do Kit Escola Sem Homofobia e outros instrumentos educativos de combate a discriminação por orientação sexual e identidade de gênero, sem concessões aos fundamentalistas.
    • Chega de homofobia. Pela aprovação imediata do PLC 122 (projeto de lei que criminaliza a homofobia).
    • Contra o PAC, Belo Monte e o novo Código florestal.
  • Questionáveis:
    • Contra as remoções de famílias para construções de obras da Copa e Olimpíadas.
    • Internet banda larga para todos em regime público e gratuito. (E quem paga a conta? O povo, através do subsídio governamental as empresas de Telecom?)
    • Contra a criminalização das mulheres: legalização do aborto! Não ao bolsa-estupro e ao estatuto do nascituro. (Legalização do aborto é um tema super polêmico, que não acha concenso na sociedade. Precisa ser melhor definido e discutido.)
    • Por uma Comissão da Verdade, Memória e Justiça autônoma, que julgue os assassinos e torturadores. Cumpra-se a resolução da OEA! (Eu concordo, mas sou obrigado a lembrar que, durante a ditadura militar, houve assassinos dos dois lados).
  • Lamentáveis:
    • Fora Ricardo Teixeira. (E desde quando isso é bandeira para motivar uma manifestação?)
    • Chega de “guerra às drogas” e criminalização dos usuários. Legalização da maconha. (Eu ia classificar isso como questionável, mas, sinceramente, não ou a favor da legalização das drogas, e isso é um tema extremamente polêmico e complexo)
    • Todo apoio às reivindicações dos trabalhadores em greve. (Pelo amor de Deus, eu posso imaginar rapidamente alguns exemplos de trabalhadores em greve cuja greve prejudica a população e alguns outros casos em que a greve é para favorecer uma pequena parcela de pessoas que já são altamente beneficiadas, e tem a cara de pau de exigir mais regalias)
    • Retirada das tropas brasileiras no Haiti (WTF? O que isso tem a ver com alguma coisa? qual é o problema de mandarmos soldados em uma missão de paz da ONU?)


Na minha humilde opinião, uma lista tão ampla de reinvidicações não ajuda em nada: o movimento aqui no Brasil corre o risco de perder o foco e de acabar não tendo bandeira nenhuma. Além disso, me incomoda o fato de um grupo de pessoas simplesmente copiar um tipo de manifestação que ocorre lá fora sem ter propostas concretas e objetivas para fundamentar a manifestação.

Exemplificando, quando os grupos brasileiros organizaram a marcha contra a corrupção em 12 de outubro deste ano, pela primeira vez eles deixaram de lado os gritos de guerra genéricos e abstratos e assumiram algumas propostas concretas. Por exemplo, que tal apoiar a aplicação da Lei da Ficha Limpa e expor os corruptos?



Ah, nesse meio tempo acabou de surgir mais um novo grupo "hacker" brasileiro, o iPiratesGroup, que também resolveu fazer defacement e ataques de negação de serviço (DDoS) para também protestar contra a corrupção no Brasil.



Eu também lamento muito o fato do povo brasileiro ser muito apático e não ter o hábito de manifestar defendendo os seus direitos (ex: quando o governo criou o fator previdenciário ou quando os parlamentares aumentam o próprio salário acima do aumento do salário mínimo). De certa forma, estes protestos no Brasil refletem isso: na falta de tradição em protestar pelos nossos reais direitos, cria-se um conjunto de "bandeiras" para tentar justificar uma mobilização, mas sem nenhuma demanda concreta por trás.

Espero que pelo menos esta onda de ataques e protestos sirva para formar uma geração mais consciente de seus direitos e que, no futuro, saiba defendê-los.

Nenhum comentário:

Creative Commons License
Disclaimer: The views expressed on this blog are my own and do not necessarily reflect the views of my employee.