Neste momento o Egito está mostrando para o mundo como a Internet se tornou uma ferramenta importante para a manifestação da sociedade nos dias de hoje, e como os governos temem o seu poder.
Após uma série de protestos que culminaram com a
queda do governo na Tunísia, que ocorreram tanto no mundo real como no cyber espaço, a mesma onda de protestos populares atingiu em cheio o governo Egípcio (e a onda de protestos no mundo árabe chegou também na
Jordânia). A população local começou a protestar nas ruas exigindo o fim do governo do general Hosni Mubarak, que está no poder há 30 anos, e cujo governo é considerado "ditatorial, corrupto, repressor e submisso aos interesses dos Estados Unidos". Em uma tentativa desesperada de suprimir os protestos, o governo tomou a iniciativa inédita de, simplesmente, ordenar o
bloqueio do
acesso à Internet em todo o país, além de interromper serviços de telefonia celular e envio de mensagens SMS.
Desde
os protestos contra as eleições de 2009 no Irã, o Twitter se destacou como uma poderosa ferramenta online para auxiliar a sociedade a organizar protestos no mundo virtual e a divulgar tais manifestações. As pessoas perceberam que podem utilizar a Internet para protestar e mobilizar milhares de outras pessoas no mundo todo através das redes sociais - e o Twitter tem se mostrado extremamente eficiente para este fim. E isto voltou a acontecer nos recentes protestos na Tunísia e Egito.
Mas a primeira grande novidade foi a tentativa dos governos nos dois países de bloquear o acesso a redes sociais para tentar conter os protestos populares. Antes mesmo do governo Egípcio pensar em bloquear os links que fornecem o acesso Internet para o país inteiro, assim que a Tunísia percebeu que os manifestantes estavam utilizando o Twitter para organizar os seus protestos, o governo local bloqueou o acesso ao Twitter e, posteriormente, ao YouTube. Quando os manifestantes começaram a utilizar o Facebook, o governo tunisiano começou a
seqüestrar as contas do Facebook, bloqueando as conexões criptografadas (HTTPS), redirecionando as pessoas para sites de phishing e inserindo código em páginas de login para roubar as senhas de acesso dos ativistas.
Temos que destacar que, em uma
ação sem precedentes, a equipe de segurança do Facebook reencaminhou todos os acessos de endereços IP da Tunísia para a versão HTTPS do site, forçando os usuários locais a usar conexões criptografadas, e exigiu que todos os usuários da Tunísia tivessem que validar o acesso através da identificação de quais eram seus amigos entre várias fotografias.
Como se tudo isso não bastasse, eis que surge novamente o grupo
Anonymous para apoiar os protestos na Tunísia e no Egito, e usar a mesma tática de protesto utilizada recentemente
no caso do Wikileaks. Depois de lançar a campanha
OpTunisia para promover ataques contra sites pertencentes ao governo da Tunísia, o grupo em seguida virou suas atenções para atacar sites do governo egípcio, na chamada
OpEgypt (ou Operation Egypt).
Até o final de 2010, o grupo Anonymous era pouco conhecido, normalmente lembrado como um grupo informal de
"trolls" (pessoas que gostam de tumultuar uma discussão no mundo online) que eventualmente se organizavam para atacar alguém - e ficaram famosos quando realizaram
uma série de ataques contra a igreja da Cientologia (
Church of Scientology). Porém, desde os últimos escândalos causados pelo WikiLeaks (quando o site divulgou vários documentos secretos da diplomacia americana), o grupo Anonymous surgiu como o defensor do Wikileaks e, porque não dizer, desde então o grupo passou a defender os oprimidos e a liberdade de expressão no cyber espaço.
O impacto do grupo Anonymous e de seus esforços relacionados aos protestos atuais é discutível, mas o que é realmente interessante é que eles possibilitam a cidadãos estrangeiros participarem efetivamente destes ataques (que, no caso, representam uma forma de protesto online) a partir do conforto de suas casas. Assim, o grupo permite que pessoas de todo o mundo possam influenciar, de alguma forma, os protestos em outros países.
Além disso, as ações do grupo Anonymous tem um grande potencial de alterar a face do
Hacktivismo no mundo todo (que eu defino aqui como o uso de técnicas de ataque cibernético para realizar ou divulgar protestos, que é diferente do "cyber ativismo", que eu considero como o simples uso da Internet como forma de divulgar e/ou organizar protestos - sem o componente do ataque virtual). Se antes o hacktivismo era realizado principalmente através do defacement de websites (o antigo hábito de pixar páginas web para difundir mensagens de protesto), o grupo Anonymous passou a utlizar ataques de negação de serviço (conhecidos como
Distributed Deny of Service, ou
DDoS) para atacar sites de governos e empresas que, em determinado momento, estejam do lado que eles consideram ser "o lado errado".
Curiosamente, em janeiro de 2011, os membros do grupo brasileiro
Fatal Error, um grupo que normalmente realizava somente defacement de web sites, fez um ataque de DDoS que
derrubou o site da
Presidência do Brasil no primeiro dia de governo da nova presidenta, Dilma Roussef.
Ainda é cedo para dizer que as ações do grupo Anonymous vão influenciar os protestos online em todo o mundo. Mas eu acredito que isto já está acontecendo.
Atualizado em 02/02: Incluí um link para o excelente
artigo do Altieres Rohr sobre o bloqueio ao acesso à Internet no Egito e corrigi dois links que estavam com problema.