“Quando um homem morre, é como se uma biblioteca inteira se incendiasse.”
Provérbio africano
Nenhuma frase poderia resumir melhor o que significa o falecimento do Alberto Fabiano, um grande amigo e um dos melhores profissionais que pude conhecer. E, coincidentemente, achei esta frase no Blog dele.
O Alberto nos deixou na semana passada, no dia 18/7, enquanto visitava sua cidade natal, Ilha Solteira, vítima de um ataque cardíaco. Um acontecimento muito triste, que pegou a todos de surpresa e nos deixou sem a chance de um último adeus, de uma última conversa.
O Alberto era uma biblioteca ambulante: dono de uma conversa fácil, e seu conhecimento de tecnologia, ciências exatas, cultura e literatura científica era praticamente infinito. Pelo perfil que ele mesmo criou sobre si mesmo no site do Garoa, podemos ver que o conhecimento técnico do Alberto era muito amplo, incluindo diversas linguagens de programação, sistemas embarcados e segurança, suas áreas favoritas. Isto sem falar na facilidade com que ele discutia qualquer assunto que surgisse.
E ele adorava isso. As conversas com ele eram quase intermináveis, e seus e-mails, normalmente longos e detalhados. E repletos de referências, viagens, etc. Algumas vezes eu chegava a duvidar que ele pudesse ter escrito tanta coisa em uma única mensagem, e me sentia tentado a procurar algumas frases no Google, para me certificar que ele não teria copiado o texto de algum lugar. Mas bastava conhecer ele pessoalmente para perceber a verdade: o Alberto era um poço sem fundo em termos de conhecimento. As listas de discussão ficarão mais sem graça, menos inteligentes e menos verborrágicas sem ele. Talvez o próprio Google perceba uma diminuição do volume de dados do Google Groups nos próximos dias.
O Alberto tinha vários apelidos, que ele colecionou com o passar dos anos: Alberto, Aleph (nome completo: Aleph Lépton Leptos), Techberto, Void, Voidberto, ALFCM, @alfacme, A., AF, yellowbug.nullptr, Red, Fabiano, etc. Por conta disso, gostávamos de brincar com ele que estas eram múltiplas personalidades que habitavam o mesmo corpo. E, de vez em quando, ele enviava várias mensagens seguidas na mesma discussão, dando a impressão de que tinha respondido a mensagens que ele mesmo postava. Quando isso acontecia, eu rapidamente dizia que era o Alberto discutindo com o Aleph, ou vice-versa ;)
Conhecer todas estas personalidades e entendê-las é quase impossível, mas, em homenagem a memória dele, eu quero tentar:
- O Alberto era simples e humilde, e sempre se dispunha a ajudar seus colegas.
- O Aleph Leptos era apaixonado por tecnologia e cultura hacker. Discursava sobre literatura cyber punk com a mesma facilidade com a qual discutia linguagens de programação, eletrônica ou códigos maliciosos.
- O Fabiano nasceu em Ilha Solteira e viveu em Santa Cruz do Sul, cercado por uma família enorme e carinhosa (que eu tive a chance de conhecer recentemente). Esta família certamente deu a base para as principais características da personalidade dele: a humildade, a honestidade e a preocupação pelo próximo.
- O Alberto era sincero, e uma das suas expressões mais características foi "De verdade, de verdade mesmo, eu ...", que usava para começar uma frase.
- O Techberto era o lado técnico dele. Programador, especialista em múltiplas áreas que envolvesse tecnologia e computadores. Lembro de ter lido e-mails do Techberto no início da minha carreira, em algumas das primeiras listas de discussão em que participei.
- O Aleph só usava camisetas nerds ou de eventos. Uma camiseta da 2600 devia ser sua favorita, pois era uma das que ele mais usava.
- O Alberto era calmo, tranquilo. Chegava quietinho mas, na primeira oportunidade, entrava na conversa e nunca mais saía.
- O Aleph era engajado, frequentava todos os eventos e encontros, e também participava de todas as comunidades que pudesse. Era até difícil ir a algum evento e não encontrá-lo. H2HC? TDC? Campus Party? YSTS? Encontro de usuários do Mozilla? Lá estava ele. Nós nos encontramos em 2001 no evento da BOS-BR, possivelmente o primeiro evento da comunidade de segurança brasileira, organizado pelo Thiago Zaninotti.
- O Alberto falava inglês, com sotaque marciano (segundo sua própria definição).
- O Aleph foi um dos fundadores do Garoa Hacker Clube e um dos sócios mais participativos. Se tinha algum evento em algum hackerspace aqui por perto, ele sempre era o primeiro a querer ir lá comigo. Fomos juntos no LHC (Laboratório Hacker de Campinas) e no SJCHC. Além de participar da organização do TDC, o Aleph foi o primeiro a se interessar em me ajudar a organizar a BSides São Paulo.
- Quando soube que o governo estava analisando o capítulo sobre crimes cibernéticos na reforma do Código Penal, o Alberto tomou a iniciativa de entrar em contato com o Ministério Público e liderou um grupo de trabalho do Garoa que ajudou eles a revisarem a proposta da nova lei.
O Alberto foi um grande amigo, e era, sem dúvida nenhuma para mim, um grande gênio, uma dessas pessoas raras de aparecer e temos que agradecer pela oportunidade de tê-lo conhecido. Além de apaixonado pela tecnologia e pelas comunidades de que participou, o Alberto era um exemplo de ética e de como aliar o conhecimento com um belo toque de humanidade.
4 comentários:
Lamentavel uma pessoa dessa falecer , ele era um poeta,sua obra e seus feitos vão ficar para prosperidade.
Certas vezes acho que o mundo é meio injusto em certas coisas, mais a vida é assim.
Que deus Wotan esteja com ele , e em breve vamos nos encontrar.
Realmente uma grande pessoa; sua ausência deixa as discussões em geral menos sadias. Recordo-me que mesmo eu sendo um desconhecido, o Alberto prontamente respondeu ao primeiro post que fiz com seu verborrágico conhecimento, o que me deixou muito contente.
Que suas personas e ele como um todo sejam exemplo para muitos.
Foi uma das poucas pessoas que deu alguma dica interessante sobre como melhorar minha redação no Barata Elétrica http://barataeletrica.tk
Realmente ele era um cara especial. Meu contato com ele foi pequeno, mas o suficiente para testemunhar a verdade de tudo o que foi dito sobre ele.
Certamente fará muita falta. Parabéns pelo texto e pela homenagem.
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