"(...) de repente desenhando um pentagrama no chão com sangue de virgem (agora com a marcha das vadias isso é artigo de luxo), usando um pincel de pelo de texugo (tem gente que usa pra fazer barba), e invocando os demônios constante no livro "Magia Sagrada de Abramelin" (se quiser empresto-lhe meu exemplar), talvez algum deles quebre a criptografia pra vc :-)"
A frase acima surgiu ingenuamente em uma lista de discussão sobre tecnologia da qual faço parte, enquanto falávamos em como recuperar informações criptografadas com o software TrueCrypt. De repente, ela gerou cerca de uns 50 e-mails (eu contei!), fomentados principalmente por algumas pessoas que consideraram a frase machista e preconceituosa. Nesse meio-tempo, a cantora Simony (sim, aquela do Balão Mágico) e sua filha de 5 anos eram ofendidas, criticadas e ameaçadas nas redes sociais. Esta notícia sobre o caso, por exemplo, é só a ponta do iceberg: a Simony foi até mesmo acusada de "zoofilia", que na cabeça dos racistas radicais é o relacionamento "interracial", de pessoas brancas com afro-descententes (veja um ótimo post sobre isso aqui).
Eu considero o preconceito um sentimento irracional e covarde. Na minha opinião, o preconceito surge da necessidade do ser humano de se sentir superior, ou de achar uma justificativa fácil para os seus problemas ou limitações. Neste momento, é muito mais fácil demonizar um sub-grupo do que reconhecer suas limitações. Se você tem dificuldade de conseguir um emprego que considere bom, ou um emprego qualquer, em tempos de crise, é muito mais fácil culpar os judeus (aconteceu na Alemanha pré-segunda guerra), culpar os extrangeiros (acontece hoje na Europa), os mexicanos (nos EUA), ou os nordestinos (acontece em São Paulo). Se você quer inflar o seu ego, um dos caminhos mais fáceis é demonizar alguém e se julgar superior a ele: seja um judeu ou um cigano (Alemanha pré- e durante a segunda guerra), ou uma mulher, um negro ou um homossexual. Coloque todos os defeitos e problemas do mundo neles e, automaticamente, você é perfeito e agora faz parte de uma raça ou de um grupo perfeito, superior, designado por Deus ou por uma herança genética. Em seguida surgem as piadas, as ofensas e as agressões físicas.
É mais fácil ver defeitos nos outros do que achá-los em si mesmo.
Sim, sou contrário a qualquer tipo de preconceito. Mas também sou contrário ao radicalismo na defesa contra o preconceito. Não acredito que reações exageradas resolvem alguma coisa. O radicalismo denegre o discurso anti-preconceito e rouba a sua credibilidade. O recente caso do anúncio do Azeite Gallo e da tentativa de censurar obras do Monteiro Lobato, na minha opinião, são exemplos do que eu considero ser um radicalismo desnecessário.
A realidade é que quem procura preconceito e discriminação acha, até mesmo aonde não existe ou aonde não existiu a intenção. A menos que você seja homem, cristão, branco, loiro, heterossexual, magro e cabeludo, você vai ouvir frases diariamente que podem parecer ofensivas - e serão ofensivas, se o seu grau de paranóia for alto. A única forma de evitar isso é ficar em casa - com a TV desligada. Basta ver os personagens afro-descendentes ou homossexuais nas novelas e filmes brasileiros: os afro-descendentes estão lá para representarem empregados de baixo escalão, enquanto os homossexuais são criaturas caricatas e ridicularizadas.
Mas na prática, se não houver um mínimo de respeito, tolerância e bom senso de ambas as partes (das minorias e das maiorias), realmente ficaria impossível convivermos em sociedade. O que não pode ser tolerado de forma alguma é o radicalismo, ou atitudes que levem ao radicalismo. E esta é a briga que todos nós devemos comprar.
Neste domingo, 10 de junho de 2012, enquanto a Simony e alguns membros do Anonymous que foram ao seu socorro discutiam via Twitter com alguns dos radicais preconceituosos que a ameaçam, alguns milhões de pessoas lotaram a Avenida Paulista, em São Paulo, na 16ª edição da Parada Gay (que só existe por causa do preconceito), e eu tirei a tarde de domingo para visitar o United States Holocaust Memorial Museum, em Washington (DC), aonde pude entrar em um vagão utilizado para levar os prisioneiros (judeus, homossexuais, religiosos, prisioneiros de guerra e prisioneiros políticos) para os campos de extermínio e pude sentir o triste cheiro de couro velho em uma sala com centenas de sapatos que foram retirados das vítimas do holocausto, um pouco antes delas serem exterminadas.
Infelizmente, a Internet reflete a nossa sociedade, nos aspectos positivos e negativos. Na web e no mundo real, a maioria de nós raramente vai dar de cara com um criminoso ou ver um crime acontecendo na nossa frente. Mas criminosos, racistas, preconceituosos e radicais existem em ambos os mundos, aos montes. Muitos destes discursos de ódio permanecem a maior parte do tempo na chamada "deep web" (ou "web profunda"), que é a gigantesca quantidade de sites que ficam de fora até mesmo da maioria dos buscadores e raramente acessamos. Mas o fato destes sites, listas de discussão, fóruns e perfis falsos não estarem na superfície e não vermos estes sites e mensagens com frequencia não significa que não existam. A Simony e a Monique Evans, para citar algumas pessoas famosas, já descobriram isso da pior forma.
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