novembro 14, 2012

[Segurança] Cyber crime pode dar pena de morte no Brasil

Como todos nós já sabemos, na semana passada a Câmara dos Deputados aprovou os dois principais projetos de lei (PL) sobre crimes cibernéticos que estavam em discussão no congresso: o "PL do Azeredo"(PL 84/99), também conhecido maldosamente como "AI-5 Digital" e o PL do deputado Paulo Teixeira (PT), chamado de "Lei Carolina Dieckmann" (PL 2793/2011).

A imprensa também já divulgou bastante a notícia da aprovação das leis, inclusive falando algumas barbaridades (como a matéria que disse erroneamente que a nova lei estabelece pena de prisão para racismo), mas ninguém deu destaque a uma alteração específica proposta no PL do Azeredo, que inclui o roubo e destruição de dados no código penal militar (negritos colocados por minha conta):

Art. 3º Os incisos II e III do art. 356 do Decreto-Lei nº 1.001, de 21 de outubro de 1969 - Código Penal Militar, passam a vigorar com a seguinte redação:
“Favor ao inimigo
Art. 356. ..............................................................................
II - entregando ao inimigo ou expondo a perigo dessa consequência navio, aeronave, força ou posição, engenho de guerra motomecanizado, provisões, dado eletrônico ou qualquer outro elemento de ação militar;
III - perdendo, destruindo, inutilizando, deteriorando ou expondo a perigo de perda, destruição, inutilização ou deterioração navio, aeronave, engenho de guerra motomecanizado, provisões, dado eletrônico ou qualquer outro elemento de ação militar; ........................................... ”

Aparentemente, a alteração é simples e inofensiva, mas a coisa muda de figura se olharmos como ficará o artigo completo, após a sanção da lei:

Art. 356. Favorecer ou tentar o nacional favorecer o inimigo, prejudicar ou tentar prejudicar o bom êxito das operações militares, comprometer ou tentar comprometer a eficiência militar:
I - empreendendo ou deixando de empreender ação militar;
II - entregando ao inimigo ou expondo a perigo dessa consequência navio, aeronave, força ou posição, engenho de guerra motomecanizado, provisões, dado eletrônico ou qualquer outro elemento de ação militar
III - perdendo, destruindo, inutilizando, deteriorando ou expondo a perigo de perda, destruição, inutilização ou deterioração navio, aeronave, engenho de guerra motomecanizado, provisões, dado eletrônico ou qualquer outro elemento de ação militar;
IV - sacrificando ou expondo a perigo de sacrifício fôrça militar;
V - abandonando posição ou deixando de cumprir missão ou ordem:
Pena - morte, grau máximo; reclusão, de vinte anos, grau mínimo.

Ou seja, este artigo estabelece 20 anos de prisão ou pena de morte para o vazamento ou destruição de dados militares.

Um amigo já se apressou em me dizer que no Brasil não existe pena de morte. Ledo engano, pois a pena de morte existe sim, justamente no código penal militar. Morte por fuzilamento, a propósito (artigo 56).

Neste final de semana eu tive uma excelente conversa com o Ricardo Castro e a Dra Gisele Truzzi (Truzzi Advogados) sobre a aprovação dos dois PLs (que virou um excelente podcast, modéstia a parte) e discutimos bastante esta alteração no código penal militar. Não custa lembrar que diversos sites das forças armadas sofreram ataques de negação de serviços (DDoS), defacement e roubo de dados recentemente. Além do mais, o governo Brasileiro criou o Centro de Defesa Cibernética (CDCiber), que é de responsabilidade do Ministério da Defesa e do Exército Brasileiro. Logo, um ataque ao CDCiber poderia ser enquadrado nesta lei. Não só isso, mas como o CDCiber é responsável por coordenar a segurança de TI para os grandes eventos que teremos no Brasil nos próximos anos (Copa das Confederações em 2013, Copa de 2014 e Olimpíadas no Rio em 2016), os ataques a estes sites que envolvam a destruição ou o roubo de dados do CDCiber também poderão ser enquadrados nesta lei.

Em termos práticos, eu acredito que é muito pouco provável que um ataque cibernético seja punido com a pena de morte. Mas, de qualquer forma, esta nova redação para o artigo 356 do Código Penal Militar dá um suporte legal para as forças armadas processarem autores de ataques cibernéticos direcionados a eles. Além do mais, esta lei fará com que os ataques a dados militares sejam julgados e punidos pela justiça militar, e não por tribunais civis.


Atualização em 04/12: No dia 30 de Novembro, a presidenta Dilma Rousseff sancionou os dois projetos de lei sobre crimes cibernéticos, que foram publicados no Diário Oficial de 03 de Dezembro. O  PL do Azeredo virou a Lei Nº 12.735, mas foi vetado o artigo que propunha a alteração no código penal militar.

Um comentário:

Unknown disse...

Anchises,

Não é bem assim.

A possibilidade de pena de morte é prevista somente nos casos de guerra DECLARADA contra outro país. Observe que o art. 356 ("jacaré") se encontra no "LIVRO II DOS CRIMES MILITARES EM TEMPO DE GUERRA" (veja o texto da lei aqui: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del1001.htm ).

Assim, não basta que alguém (Ministério Público e magistratura militares) resolva condenar um acusado à morte, é preciso que o Brasil esteja em estado de guerra DECLARADA contra outro país.

Veja, se fosse para temer essa lei nesse aspecto, deveríamos temê-la mais e muito antes (desde 1969), mas por outros motivos (grifos meus):

Art. 356. [...]
III - perdendo, destruindo, inutilizando, deteriorando [...] PROVISÕES ou QUALQUER OUTRO ELEMENTO de ação militar;


Pela lei em vigor desde 1969, se alguém esvaziasse o pneu de uma viatura ("elemento de ação militar") ou mesmo jogasse 100g de feijão no lixo ("provisão"), esse alguém também poderia ser condenado à morte, e isso está em vigor desde 1969, e isso me dá muito mais medo...

[]s

-- maia

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