Caso você viva em uma caverna e não saiba que p* é essa de "Baleia Azul" ("Blue Whale", em inglês), este é um suposto jogo de desafios, conduzido através das redes sociais, que aparentemente surgiu na Rússia em 2015 e agora (neste mês) virou febre no Brasil. Os participantes tem que realizar 50 desafios, alguns inofensivos como assistir um filme de terror as 4:20 da madrugada ou subir num guindaste, vários desavios que envolvem se auto-mutilação, se cortando com uma lâmina e, no último nível, o jogador deve cometer o suicídio. Os participantes seriam selecionados por meio de contato com grupos fechados nas redes sociais, como o Facebook, WhatsApp e Instagram. Na sequência, o administrador do grupo, chamado de curador, começa a ditar os desafios e algum mecanismo macabro proibe o jogador de desistir do jogo. Os participantes tem que tirar foto ou filmar a realização do desafio, e compartilhar com o curador via WhatsApp.
Procurando na Internet, encontra-se algumas notícias que citam vítimas desse jogo em diversos cantos do Brasil, como por exemplo, um adolescente de 13 anos que tentou suicídio em Jaú, SP, uma adolescente de 16 anos no Mato Grosso, além de 8 casos em Curitiba. Os relatos são vários, embora alguns sejam imprecisos (como no caso da reportagem da BandNews aonde o prefeito de Curitiba inicialmente disse que haviam 7 vítimas no Estado, depois disse que houve 2). Facilmente encontramos notícias que dizem haver mais de 130 casos de suicídio na Rússia que estão atrelados ao jogo "Blue Whale". Alguns tablóides ingleses dizem que já surgiram alguns casos na Inglaterra. Até mesmo o seriado "13 Reasons Why" do Netflix está sendo acusado de motivar os casos de suicídio entre jovens, pois ele conta a história de uma adolescente que se suicidou e deixou uma série de fitas explicando seus motivos.
Mas também há aqueles que acham que o jogo é um boato, uma lenda que apenas liga o suposto jogo com os casos de suicídio que acontecem diariamente. Este artigo, no Estadão, é interessante por afirmar categoricamente que isso é um boato, opinião também compartilhada pelo Delegado Mariano, de São Paulo, especialista em crimes cibernéticos. Curiosamente, a maioria das notícias sobre o assunto mostram sempre as mesmas fotos, o que para mim mostra que a maioria dessas notícias são repeteco de notícias anteriores, sem necessariamente uma validação de fatos.
Em uma reportagem bem interssante, Júlio Boll do jornal Gazeta do Povo, se fez passar por adolescente para tentar participar do jogo. O que ele encontrou, na verdade, foram jovens se passando como curadores tentando ajudar os candidatos a saírem do jogo.
A teoria mais exdrúchula que eu já vi até o momento é a que diz que os mentores do Baleia Azul são robôs (bots) programados para interagir com os jogadores como se fossem humanos, uma vez que o game se baseia em um menu fixo de 50 desafios, sempre na mesma ordem, sugerindo uma participação não humana. Teoria estranha, mas que convida a uma reflexão interessante: “Caso se confirme a hipótese, teremos na sociedade global uma combinação explosiva de robotização das relações sociais associada a um grande potencial de epidemias psicóticas”.
E, claro, o boato da "Baleia Azul" já deu origem a muita zoeira e vários memes. Até mesmo o Bispo Arnaldo, da Igreja Evangélica Pica das Galáxias, já pregou sobre isso.
Tem um ótimo vídeo do e-Farsas chamado "9 Mentiras e 1 Verdade sobre o desafio da BALEIA AZUL!", que resume as hipóteses de que o jogo é um grande boato.
Eu, particularmente, acredito que essa história era originalmente um boato, mas algumas pessoas resolveram aproveitar a grande divulgação que teve para criar um jogo verdadeiro, na medida que cresceu o interesse e a procura pelo assunto. Ou seja, a tal da "Baleia Azul" surgiu como uma notícia falsa divulgada nas redes sociais e acabou ganhando adeptos verdadeiros, e toda esta polêmica serviu para dar ainda mais força ao jogo.
Pesquisando no Google Trends, verificamos facilmente que os assuntos "Baleia Azul" e "Blue Whale" é popular no Brasil, mas é um fato recente, desde Abril deste ano.
De fato, procurando por "Baleia Azul" nas comunidades no Facebook encontramos dezenas de comunidades relacionadas ao jogo, algumas delas são fechadas, aparentemente promovendo o jogo (todas elas com um número muito baixo de participantes), mas a grande maioria das comunidades com esse tema são contra o jogo, satirizando-o ou foram criadas para apoiar as pessoas que procurem por isso, tentando ajudar quem tem possível propensão ao suicídio. Há, inclusive, uma comunidade de "hackers" que tenta desmascarar os organizadores do jogo - em alguns casos, eles citam suspeitos curadores que, coincidência ou não, tem perfil falso no Facebook que foi criado em Abril deste ano (época em que surgiram as histórias da "Baleia Azul").
Ou seja, há mais comunidades no Facebook contra o jogo do que a favor. É o caso, por exemplo, da Baleia Rosa, uma página criada no Facebook que manda mensagens positivas, com a finalidade de divulgar e combater os efeitos do jogo "Baleia Azul", tentado prevenir o suicídio de jovens.
O mesmo aconteceu quando resolvi procurar pela hashtag "#i_am_whale" nas redes sociais: a maioria dos posts eram sobre críticas ao jogo, algumas pessoas procurando curadores e alguns poucos posts com apenas a hashtag. Isso precisaria de mais trabalho de investigação para saber se os posts são adolescentes em crise ou alguém investigando o caso, mas claramente as mensagens de críticas, zoeiras ou tentativas de ajuda são a maioria.
Como disse o psicólogo Daniel Martins de Barros, "a notícia da baleia azul pode ser exagerada, mas os perigos que ela traduz são tão presentes que todo mundo acreditou". Isso acontece não só pela nossa dependência nas redes sociais, e nosso desconhecimento do seu poder influenciador, mas principalmente porque o suicídio entre jovens é assustadoramente comum e é um grande tabu na nossa sociedade. Como disse muito bem o YouTuber Felipe Neto (que, a propósito, mais grita do que fala), a depressão é uma doença séria, pode levar a pessoa ao suicídio, mas é tratada com grande preconceito.
A depressão e suicídio entre jovens é um caso sério. Segundo um estudo recente do Programa de Depressão na Infância e na Adolescência (Prodia) do Hospital de Clínicas de Porto Alegre com 1.065 estudantes de 14 a 16 anos denescolas estaduais da área central de Porto Alegre, 8,5% dos adolescentes já haviam pensado em se matar. Entre as meninas, o índice chegava a 12,3%.
Como bem lembrou o pessoal do site Hacker Culture, uma pesquisa sobre o uso da internet por crianças e adolescentes no Brasil do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI), chamada TIC Kids Online, aponta um número crescente de crianças e adolescentes que relatam terem tido acesso à páginas na Internet que ensinam formas de se machucar e de cometer suicídio. Em 2012, 7% dos entrevistados acessaram conteúdos de autolesão, contra 13% em 2015. Enquanto isso, 3% tiveram acesso a conteúdos sobre formas de cometer suicídio em 2012, e em 2015 esse número subiu para 9%.
Quero também destacar o comentário do meu amigo Spooker, sobre o assunto, pois compartilho da mesma opinião, que se este jogo tem atraído os jovens, é porque precisam de mais apoio familiar:
"Com todo respeito, mas se você tem que conversar com seu filho(a) adolescente que ele não pode ser multilar, não pode ser matar ou fazer algo que faça mal a ele mesmo, o problema familiar é maior do que você imagina. Meus pais jamais teriam que falar pra eu não fazer isso e nem se mandassem eu faria. Que mundo doido, eu hein. Dar mais atenção aos filhos e pensar menos no dinheiro, pessoal"
Segundo o advogado criminalista Luiz Augusto Filizzola D’Urso e o advogado e perito em direito digital, José Antônio Milagre, o crime cometido pelos criadores e administradores do suposto jogo é o de induzimento ou instigação ao suicídio, previsto no artigo 122 do Código Penal Brasileiro, podendo ser extensivo a qualquer pessoa que convide ou compartilhe informações para outra pessoa jogar. Este crime se consuma quando o jogador realiza o desafio final de tirar a própria vida. A pena prevista para esse crime é de reclusão de 2 a 6 anos, podendo ser duplicada se a vítima for menor de 18 anos (o que parece ser o caso mais comum de vítimas deste jogo).
Mesmo assim, com uma lei que já cobre estes casos, já surgiu no nosso congresso o "PL da Baleia Azul" (PL 7430/2017), que se propõe a punir quem "induzir ou instigar, por disseminação em meios informáticos, eletrônicos, digitais ou comunicação em massa, a automutilação ou outros perigos de vida e saúde". São os nossos políticos trabalhando para o nosso bem.
Como não custa tomar um pouco de cuidado e dar atenção aos filhos, a reportagem do jornal Gazeta do Povo listou algumas atitudes dos adolescentes que podem ser interpretadas como sinal de que eles estão envolvidos com o jogo Baleia Azul - algumas delas bem óbvias:
- Assistir filmes de terror e psicodélicos com frequência, a tarde ou de madrugada;
- Presença de ferimentos e cortes (auto-mutilações) na palma da mão ou nos braços (com dizeres F57, F40 e desenhos de baleia), cortes nos lábios ou furos nas mãos com agulhas;
- Compartilhar imagens ou desenhos de baleia;
- Posts em redes sociais com os dizeres “#i_am_whale” (“Eu sou uma Baleia”);
- Sair de casa em horários estranhos – principalmente de madrugada;
- Arranjar brigas;
- Evitar conversar durante muitas horas.
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