setembro 25, 2018

[Cidadania] Debatendo a segurança nas urnas brasileiras

O MindTheSec São Paulo deste ano encerrou com um excelente debate entre o Chefe da Seção de Voto Informatizado do TSE, Rodrigo Coimbra, com o Prof. Diego Aranha, contando com diversas perguntas da plateia. Foi uma oportunidade rara de nós, cidadãos e profissionais de segurança, discutirmos abertamente sobre a segurança das urnas eletrônicas do ponto de vista técnico.

A transmissão ao vivo do painel "Processo eleitoral brasileiro e os mecanismos de segurança da urna eletrônica" está disponível no Facebook:


O debate foi precedido por uma apresentação do Dr. Diego Aranha sobre os problemas na urna e no processo eleitoral, baseada na sua experiência participando de alguns dos testes públicos que já foram realizados. Essa palestra, por sinal, ele já deu várias vezes, em diversos eventos, incluindo no MindTheSec Rio de Janeiro há poucos meses atrás.

O Fernando Mercês publicou um vídeo bem legal em seu canal Papo Binário com a sua opinião sobre o debate, acreditando que houve uma boa discussão com o foco em solução, em como resolver os possíveis problemas de segurança das urnas eletrônicas:


Eu, ao contrário, saí do debate com a opinião que o representante do TSE foi evasivo na grande maioria das respostas, não respondendo o que foi exatamente perguntado ou dando respostas evasivas. Mas concordo com o Mercês de que todas as perguntas foram no sentido de questionar problemas que podem ser resolvidos, ainda mais se houver uma transparência com a comunidade.

O debate público sobre a insegurança do nosso sistema de votação eletrônica remonta, pelo menos, desde 2007 (ou antes, sei lá...). Como eu já disse aqui anteriormente (em 2014 e 2016), eu acredito que o TSE baseia sua argumentação sobre a segurança das urnas brasileiras em três pilares:
  • O TSE tem controle absoluto do processo, não sendo permitido questionar a sua idoneidade - o TSE é o único responsável por definir, implementar e só ele pode auditar todo o processo de votação;
  • As urnas são seguras (mesmo quando se prova o contrário);
  • Trocamos a possibilidade de auditabilidade do voto (a capacidade de recontagem do voto) pela agilidade na apuração - nós estamos felizes com a conveniência de saber o resultado das eleições no mesmo dia, de preferência ainda no Fantástico, e não nos preocupamos se o nosso voto foi, de fato, computado para o candidato que gostaríamos.
O TSE controla, com mão de ferro, os poucos processos de auditoria existentes. Ele define as regras de auditoria, que incluem, por exemplo, acesso limitado ao código fonte, que todos os testes sejam pré-aprovados e validados pelo TSE.

Mesmo os poucos meios de auditoria disponíveis ao cidadão comum são falhos! Quando, há 4 anos atrás, o Diego Aranha realizou o projeto Você Fiscal, nós (eleitores) éramos incentivados a tirar uma foto do Boletim de Urna para que ele pudesse validar o sistema de totalização, verificando se o total de cada seção eleitoral era refletido no relatório final de totalização de votos. Ao contrário do que "garante" a lei eleitoral, eu não consegui ver o boletim de urna da minha seção. Encerrado o horário de votação, todo mundo foi retirado da escola aonde eu votei e a escola foi fechada. Ninguém mais teve acesso a escola e nem aos boletins de urna. Eu procurei o responsável pela seção eleitoral e não permitiram que eu visse o boletim de urna, e me disseram que eu só poderia fazer isso no Cartório Eleitoral.


Ou seja, o cidadão comum não tem nenhuma possibilidade de auditar o seu próprio voto. E os partidos, muitas vezes, são omissos! Neste ano, por exemplo, nenhum partido participou do processo de auditoria do código da urna e nenhum compareceu a cerimônia de lacração do código da urna brasileira. Curiosamente, essa informação não consta na nota oficial do TSE sobre a realização da cerimônia.

É interessante pensar que, se já fazem 22 anos desde que adotamos as urnas eletrônicas, em 1996, todos os Brasileiros com menos de 38 anos de idade jamais votaram com uma cédula em papel. Essa massa de eleitores provavelmente não sabe ou nem se lembra de como era o processo de votação antigo, manual. O representante do TSE explorou isso ao abrir a sua explanação dizendo que as urnas eletrônicas permitiram o voto dos cegos e analfabetos (falso, pois eles podiam votar mesmo com o voto em papel!).

As tecnologias de voto eletrônico estão sendo discutidas e questionadas em todo o mundo. Alguns países tentam conduzir um debate seriamente, enquanto muitos governos tentam abafar essa discussão. Nos EUA, por exemplo a conferência Defcon organizou pelo segundo ano consecutivo uma "Voting Machine Hacking Village". No ano passado, todas as 30 urnas(de diferentes fabricantes e modelos) colocadas a disposição na conferência foram hackeados em menos de 2 horas. A urna Brasileira, infelizmente, não estava lá. Neste ano os organizadores do evento tiveram dificuldade em conseguir urnas para testar, pois os fabricantes tiveram receio de se expor. Na Argentina, o sistema de votação eletrônica também tem sido criticado.



No mundo inteiro, pesquisadores de segurança tem dificuldade para testar e questionar os sistemas de votação eletrônica. Como bem disse uma reportagem da CNET, "But opportunities to test how secure our voting machines are from hackers have been rare. Manufacturers like to keep the details of voting machines secret. And they don't often provide machines for people to test."

É impossível, para mim, acompanhar essa discussão sobre transparência nas eleições sem lembrar dessa frase:
"If voting changed anything, they'd make it illegal."
Emma Goldman
Ou seja, o sistema eleitoral é feito, supostamente, para garantir que as classes dominantes se perpetuem no poder, dando uma falsa sensação de que a população tem algum controle sobre isso.

Mas hoje o cenário mudou, em vez do cidadão comum ou do político tentando manipular o voto, o novo elemento de risco para um sistema de votação eletrônica são os governos adversários, que podem desenvolver capacidades técnicas para interferir em uma eleição se ela adotar um sistema de votação fragilizado.

Um sistema confiável nos permitiria proteger a democracia e a soberania da nação.

OBS: Fiz pequenos ajustes no texto em 27/09. Adicionada uma charge em 28/09 e mais uma citação da CNET.

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