Manning, ex-analista de inteligência do Exército americano, foi condenado por vazar milhares de documentos secretos a que tinha acesso e que mostravam casos de crime de guerra ou desrespeito cometidos pelo exército e pela diplomacia americana. Não é a tôa que o governo americano fez de tudo para crucificá-lo.
Um dos casos mais famosos foi a divulgação de um vídeo, que ficou conhecido como "Colateral Murder" ("Assassinato Colateral"), aonde um helicóptero de guerra Apache metralhou um grupo de civis inocentes na periferia de Nova Bagdá, no Iraque, e por azar entre estes civis estavam dois repórters da Reuters e duas crianças que estavam em uma Kombi que apareceu para tentar ajudar os feridos.
Manning não foi apenas condenado, mas também foi torturado e execrado durante todo o processo. A pena de 35 anos de prisão foi bem menor do que o esperado, embora pareça significativa. Ao final do julgamento, ele foi inocentado do crime de "ajudar o inimigo", a acusação mais séria das 22 que enfrentou e que, pelo código penal militar americano, significaria sua condenação a pena de morte. Baseado nas acusações pelas quais foi condenado, estimava-se que ele pegaria até 136 anos de cadeia, mas a juíza do caso já havia reduzido este número para 90 anos, em função dos maus tratos que recebeu enquanto estava preso aguardando o julgamento (um total de 1.157 dias na cadeia, seguido por 10 semanas de julgamento!).
Torturado psicologicamente na prisão militar, Manning teve sua sexualidade descancarada e desrespeitada durante o julgamento: destacando seus problemas de identidade sexual e sua homossexualidade, o que me pareceu uma tentativa desrespeitosa (para dizer o mínimo) de desqualificar seu caráter e sua moral. como se a sexualidade de alguém pudesse diminuir a importância das revelações que ele fez.
Seu depoimento final mostra que ele fez o que achou certo para a sociedade: mostrar os crimes de guerra que o governo americano fazia questão de esconder. De tão marcante e significativo, esta declaração merece ser traduzida na íntegra:
"As decisões que eu tomei em 2010 foram feitas a partir de uma preocupação pelo meu país e pelo mundo em que vivemos. Desde os trágicos acontecimentos de 11/9, o nosso país está em guerra. Nós temos estado em guerra com um inimigo que opta por não nos enfrentar em qualquer campo de batalha tradicional, e devido a este fato, tivemos de alterar os nossos métodos de combater estes riscos para nós e nosso modo de vida.
Eu inicialmente concordava com estes métodos e escolhi me voluntariar para ajudar a defender o meu país. Não foi até que eu fui para o Iraque e e comecei a ler os relatórios militares secretos diariamente que eu comecei a questionar a moralidade do que estávamos fazendo. Foi neste momento que eu percebi que durante nossos esforços para enfrentar este risco apresentado contra nós pelo inimigo, que esquecemos nossa humanidade. Nós conscientemente escolhemos desvalorizar a vida humana, tanto no Iraque e no Afeganistão. Quando nóss enfentamos aqueles que percebíamos como sendo o inimigo, às vezes matamos civis inocentes. Sempre que matávamos civis inocentes, em vez de aceitar a responsabilidade por nossa conduta, preferimos nos esconder por trás do véu da segurança nacional e de informações secretas, a fim de evitar qualquer responsabilidade pública.
Em nosso esforço para matar o inimigo, debatemos internamente a definição de tortura. Nós mantivemos presos indivíduos em Guantánamo durante anos sem o devido processo legal. Nós inexplicavelmente nos fizemos de cegos frente a torturas e execuções por parte do governo iraquiano. E nós engolimos inúmeros outros atos em nome de nossa guerra contra o terror.
Patriotismo é muitas vezes o grito exaltado quando atos moralmente questionáveis são defendidos por aqueles que estão no poder. Quando estes gritos de patriotismo afogam quaisquer intenções nossas baseadas na lógica[inaudível], geralmente é um soldado americano que é mandado a realizar uma missão mal-concebida.
Nossa nação tem tido momentos semelhantes que foram sombrios para as virtudes da democracia - a Trilha das Lágrimas, a decisão de Dred Scott, o Macarthismo, os campos de concentração para nipo-americanos - para citar alguns. Estou confiante de que muitas de nossas ações tomadas desde 9/11 um dia serão vistos sob uma luz semelhante.
Como o falecido Howard Zinn disse certa vez: "Não existe uma bandeira grande o suficiente para cobrir a vergonha de matar pessoas inocentes."
Eu entendo que minhas ações violaram a lei, e lamento se minhas ações machucaram alguém ou prejudicaram os Estados Unidos. Nunca foi minha intenção ferir ninguém. Eu só queria ajudar as pessoas. Quando eu escolhi para divulgar informações secretas, eu fiz isso por amor ao meu país e por um sentimento de dever para com os outros.
Se você negar o meu pedido de perdão, eu vou servir o minha punição sabendo que às vezes você tem que pagar um preço alto para viver em uma sociedade livre. Terei prazer em pagar esse preço se isso significa que nós poderíamos ter um país que está verdadeiramente concebido a partir da liberdade e dedicado à proposição de que todas as mulheres e os homens são criados iguais."
Os militares americanos se recusaram a liberar as transcrições do julgamento de Bradley Manning. Além disso, eles negaram o passe de imprensa para 270 das 350 organizações de mídia que pediram acesso à corte. Sem transcrições públicas ou livre acesso da imprensa, foi muito difícil para as organizações de mídia cobrirem com precisão o julgamento. por isso mesmo, o grupo Freedom of the Press Foundation coletou doações para colocar um taquígrafo profissional na sala de imprensa cobrindo o julgamento e divulgou as transcrições em seu site.
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